21.5.07

Eu fui chamado de danna


"No flanco do motor vinha um anjo encouraçado"
(Ana C.)

Eu fui chamado de danna com todas quase todas as prerrogativas do título, “quase todas”
porque meu reinado somente tornava-se completo durante o banho. Chegava em casa e lá estava meu robe e minha caneca, mas eu mesmo tinha de fazer meu chá, nem me importava, desde que tivesse tudo no banho... ninguém gastou tanta água quanto eu e Hibari, nossos banhos duravam horas e horas... é por isso que a hora do banho se tornou um momento delicado, é tão doloroso abrir o chuveiro sabendo que quando retirar a espuma do rosto e abrir os olhos ela não vai estar do meu lado, rindo delicadamente enquanto a água escorre pelo cabelo, face, seios, barriga, púbis, pernas, pé...

Acabo de sair do banho, tenho meu robe e minha caneca, reluto em dizer que recebi um telefonema de Hibari e que ela diz que não volta mais, que o que “vivemos foi uma coisa única”, “nunca me esquecerá”, mas que seus planos e projetos não me incluem, pois percebeu “certas opressões em nosso cotidiano” e fatalmente haveríamos de nos “tornar carrascos mútuos”, numa relação pobre e melancólica, falou ainda na "necessidade" de dissolução da minha couraça e das conseqüências energéticas disso tudo no meu equilíbrio interno, ela disse que enquanto eu não conseguir exprimir todos os meus sentimentos, emoções e carga sexual dentro da relação, prezando o amadurecimento de meu amor, jamais encontrarei a satisfação e a paz... não é só, levantou ainda injúrias contra meu pênis, disse que o fato de eu ter um pau duro sempre disposto ao sexo de nada adianta uma vez que estou bloqueado para os orgasmos etéreos, me acusou depois de travado e insensível... porra, isso que dá um mês na casa de uma terapeuta reichiniana...

Vejamos, eu não tenho nada contra Wilhelm Reich e suas seguidoras (pelo menos até então não tinha). Segundo, eu acredito piamente que as xoxotas libertas tendem a tornar o mundo um lugar melhor para se viver, agora o que não aceito, de forma alguma, é que a tempestade do Sexpol caia toda no meu telhado, eu nunca fiz terapia, meus ódios e melancolias foram sempre tratados no boteco ou no corpo delas, e me sinto bem assim, ser feliz nunca foi um desejo consciente meu, gosto de olhar o mundo de minha forma ranzinza e cinza, assim fico mais sensível a qualquer colorido que realmente destoe na paisagem, quero dizer ainda que, apesar dos sorrisos no bar ontem à noite, não encontrei de novo a estrada de asfalto firme em que me aventurei outrora, antes de Hibari pedir carona... tá cada vez mais difícil segurar a motocicleta na curva. Incomoda-me também o ar vingativo que suas palavras adquiriram, era como se o pé-na-bunda recebido fosse o troco pelo sofrimento que causei a todas as mulheres, a contar dos lanches roubados na primeira série, nesta visão minha angelical menina tornou-se um daqueles anjos vingadores, depositários de um misticismo cruel e sinistro... Para finalizar, uma vez que receio destruir tudo o que escrevi até agora, destaco que a frase mais triste de todo o texto está aqui, apesar da falta de poesia e devidos adornos: Hibari não volta mais.





(Este é um dos capítulos finais de "HH, uma novelinha escorada". Vou sumir umas semanas para tentar harmonizar o que já escrevi, se bem que a definição real disso tudo só chega em julho... falo de vida)

20.5.07

decido falar sobre Hanna...

Decido falar sobre Hanna e as torpezas de nossa paixão idealizada, de como a gente se trancava em quartos de hotel durante o fim–de-semana, ou circulava pelos motéis dos arredores da ilha, hábito que se tornou mais raro depois que Hibari mudou-se para minha vida. Ela tinha 18 anos e usava roupas escuras, olhos contornados em negro, uma pantera, a despeito da idade... Hanna sempre teve o olhar maduro. Alguns meses depois ela já não usava o mesmo visual, mas continuava linda, ferina, mudei o apelido de pantera para tigresa, tudo inspirado em Sônia Braga e Márcia Denser.

Hanna queria ser escritora e eu gostava de ler livros... Nossa relação literária evoluiu para a cama enquanto discutíamos o conceito de criação na decadência das vanguardas... Ela quase venceu minhas barreiras, a cada trepada com Hanna sentia-me mais dependente dela, daí que eu fugia um pouco, evitando a vivência diária. A gente se via uma ou duas vezes por mês e foi assim que me livrei de uma intimidade que pensei não ser capaz de oferecer à nenhuma mulher.


Nossa cama-mesa-chão-carro acontecia de forma selvagem e alegre, nada do sexo melancólico ou carregado de sutilezas, tudo acabava em diversão e com o sangue pulsando mais forte nas veias, me sentia vivo e varonil... daí o paradoxo presente em certa suavidade, pois Hanna me fazia esquecer do que eu achava que precisava, de repente meu mundo sórdido fazia sentido, um conforto expresso na medida em que eu não tinha mais nada para aprender e que o que eu sabia não valia muito também... era como se eu pudesse mandar o mundo se fuder com uma confortável verdade nos lábios... O instinto arquitetava nossa relação suprimindo qualquer necessidade de necessidade, depois de trepar com minha tigresa eu entrava num vazio nunca sonhado, numa existência que pouco pesava... eu despejava, delicadamente, com o perdão da imagem, a alma junto com o esperma.

Mentiria se dissesse que não notei que Hanna mudava de uns tempos para cá, que solicitava minha presença em sua vida de uma forma quase desesperada, percebia a vontade que tinha de ser vista em lugares públicos comigo, mas recusava seus convites para cinema, festas na casa de amigos e, por último, o casamento de uma prima.

Neguei a princípio essa aproximação pela forma como Duda Bandit se protegia de qualquer tentativa de invasão de um cotidiano confortável e moralmente indecente, mas depois o fiz por Hibari, a mulher que violou as minhas muralhas ocupando minha cidadela sórdida. Não havia espaço para a tigresa porque uma nação bárbara vinda do oriente chegou antes no centro da cidade vencida. Mas não excluí Hanna por completo, havia algo a oferecer dentro dos despojos de guerra, mas ela não quis. Nessa guerra, eu, docemente atacado por fêmeas únicas e lindas, vivi na iminência de ser desmascarado pelas duas, por assim dizer, “mulheres da minha vida”.

Mas agora penso se teria deixado Hanna mergulhar em minha vida, assim como mergulhei em seu corpo, se Hibari não tivesse arrebatado esse espaço antes... penso que sim, que aceitaria ser seu homem, seu macho, aceitaria ter conta conjunta, planejamento de férias em um hotelzinho idiota de Angra, churrasco na casa dos amigos dela, ouvindo uma confluência de ritmos, do samba ao funk, e me esforçaria para que ela se orgulhasse de mim, contaria piadas, jogaria futebol com os filhos dos amigos e as amigas dela diriam que eu seria “um grande pai”, assim... Hanna merecia isso.

Mas agora ela está com outro sujeito, pelo visto deve ser professor de filosofia de alguma faculdade fuleira por aí, é um desses caras de blazer escuro e cara de pastel circulando pela noite, conversando, conversando, conversando infinitamente com as meninas, um nojo... como a minha tigresa caiu nessa? Filosofia existencialista, só pode ser... Eu tenho um Cioran bem lido, acho que escolhi o filósofo errado.



(Mais um trecho de "HH, uma novelinha escorada". É um livrinho que está se impondo dia-a-dia na minha vida... É o penúltimo pedaço que posto aqui. Em breve retorno com os contos do Bandit)

bar do Geraldo

Bar do Geraldo... Hugo faz durante duas horas uma dissertação crítica sobre a literatura irlandesa, começa em Wilde, passa por Joyce e termina em Roddy Doyle... eu olhava o cara, absorvia algumas partes do papo, mas minha grande preocupação era estabelecer quantos peitinhos eu já havia visto na vida, contei dois por mulher, uma vez que são, pelo que pude constatar, distintos entre si... saí aéreo, bêbado de seios, Campari e Ulisses... pelo menos não tive pesadelos, não sonhei que enrabava Wilde e fazia um café para dois de manhã...


(trecho de "HH, uma novelinha escorada")

14.5.07

uma tempestade ameaça...

Uma tempestade ameaça a ilha, ventos hediondos embalam minha solidão esta noite. O transito está congestionado, Monk no CD do carro, o limpador de pára brisa balança escorraçando gotículas suaves, prenúncio do aguaceiro... penso na beleza de estar no trânsito ouvindo bebop em meio ao chuvisco, não deixo de sorrir na composição do quadro... uma hora assim... chego em casa, uma dose de uísque e agora Sérgio Sampaio está cantando suas dores de amor no som da sala, compreendo cada palavra... a chuva parou um pouco, mas sei que retoma vigor para investir mais forte, quer cair sobre meu jardim despetalando minhas rosas, o que seria uma coisa muito triste se eu realmente tivesse um jardim e nele cultivasse coisas assim... Hibari planejou morar numa casa comigo e plantar canteiros de praguinhas silvestres, isso mesmo, fizemos planos de sair à cata delas nos arredores da ilha e nas cidades rurais próximas, me senti patético de novo, “olha, amor, tem uma com florzinhas amarelas”... minha janela é espancada a cada rajada do temporal anunciado... Chegou, acredito, a hora de tomar uma decisão importante na vida: nada de jardim, seja de rosas, seja de pragas. Segundo, tive mais uma certeza: Hibari, à revelia, plantou a porra das pragas foi na minha vida... depois resolvi tomar mais uma decisão... qualquer que fosse a sentença, nada de apelação, ia cumprir a penitência o mais rápido possível, ainda que implicasse na morte meus paradoxos e implicâncias gratuitas... a chuva veio forte, um aguaceiro.


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Se eu fosse um advogado brilhante, vegetariano e praticante de Wind Surf, puxasse um fuminho discreto e namorasse a Jeska, menina descolada que malha na Vitória Sport, talvez eu fugisse de um cotidiano torpe e noites confusas... Faltou, em termos objetivos, uma educação geradora, fui reprovado em português e matemática, duas vezes, faltou ainda, de minha parte agora, vigor para encarar um futuro de terninho Hugo Boss, camisa Prada, gravata Armani e o papo da Jeska... a preguiça consumiu meus, por assim dizer, "melhores dias"... eu não leio livros técnicos e acho que deveriam proibir Marcos Rey no ensino fundamental, pouparia o leitor deste tipo de confissão constrangedora e absolutamente dispensável... um dia, é uma esperança, o mundo será tomado por gente brilhante e vegetariana que usa Hugo Boss e namora a Jeska... Nesse dia quero que meu cinismo seja substituído pelo ódio, assim posso substituir o sarcasmo por coisas mais úteis, a exemplo das bombas palestinas e fuzis AR15.



(trecho de "HH, uma novelinha escorada"

11.5.07

eu sou um babaca ou sofro...

Eu sou um babaca ou sofro por amor? Uma coisa exclui a outra? Tava demorando a dizer isso. Bem, eu não sei ao certo o que é sofrer por amor, o que pede um questionamento a priori: eu sei mesmo amar?... acho que amei Anna, uma página já exorcizada, mas eu era muito jovem, quando ela partiu eu morri e renasci como Duda Bandit. Anna, que nada tem a ver com Hanna, me lembra hoje um bangalô em Jacaraípe (que foi demolido, mas não tenho nada a ver com isso) e uma arma que enterrei e nunca voltei para buscar. Ela faz um parte de um passado passional e imbecil que foi devidamente assassinado com requintes de crueldade. Não sei se era amor o que sentia... eu, intelectualóide, verde e esquizofrênico, dizia coisas idiotas do tipo “preciso de você porque pouca coisa é sólida... acho que você é livro, eu escrevi você e você me escreve... só isso...”.

Clio, sensatamente às vezes, faz a caravana passar. Eu tinha 19 anos, agora tenho 30. Eu adorava o Werther, agora leio Henry Miller, Bukowski, Mirisola, Bioy, Marcos Rey... Eu chorava muito, debulhava-me em lágrimas, agora secou a fonte... para encurtar a conversa, o certo é que se eu amei no passado aquele não era eu, ou, pelo menos, já não sou mais... se amo Hibari e Hanna esta é a minha primeira vez, sou um debutante. Mas é possível padecer de amor por duas mulheres e ao mesmo tempo ficar melancólico por tantas outras? Quem eu amo na verdade pareceu a grande pergunta a ser feita. Tenho me debruçado neste problema sem grandes avanços... enquanto isso a solidão parece assentar, parece que se torna um fardo mais ameno. Essa é a pior parte.


(trecho de "HH, uma novelinha escorada")

9.5.07

algumas idas e vindas...

Algumas idas e vindas, o rebolado da vida... acho que começo a pegar o macete dessa coisa, embora ainda fique confuso. Eu falo também de sexo. Digo isso lembrando da última trepada antes desta triste estiagem, Hibari viajando e Hanna não querendo me ver nem pintado de amarelo com bolinhas roxas... bem, ao caso: a menina era novinha, coisa de uns 19 anos, foi conquistada mediante negociação, ela mercadejou seus carinhos... a parte mais tensa do acordo comercial foi a liberação da camisinha no felácio, barreira vencida depois de eu bater na mesa e ameaçar abandonar o diálogo. Eu mandava ela percorrer a circunferência da glande com a língua, usar um pouco os dentes, de forma leve, mas presente... e sugar vez em quando girando macio a cabeça de um lado para o outro. Enquanto eu orientava a sensível manobra pensava também no sentido disso tudo, na razão das coisas. Hibari tentou colocar na minha cabeça que tinha algo sagrado no ato sexual, era como um ritual, o sal grosso usado nos cantos do motel na nossa primeira noite tem a ver com isso. Mas eu ainda relutava... A natureza quando escolheu a putaria como forma de procriação teve de tornar tudo mais agradável e criou o prazer que foi devidamente aperfeiçoado e cultuado pela nossa espécie. Trepar é o grande elo entre a modernidade e a antiguidade, perseguindo minhas ninfas é que me sinto perto dos grande comelões do passado. Nada mais universal que o sexo, nada capaz de atrair tanto os povos, para além do bem e do mal (meu deus, estou fazendo discurso, um fascista lascivo? preocupante...). Era Gilberto Freire quem dizia que os portugueses iam gostosamente se misturando com as índias? Acho que era. Como brasileiro nasci de uma grande orgia, o que é por si motivo de um ufanismo idiota, mas presente - já tenho as feministas e a galera do arco-íris contra mim, será que vou atrair também o movimento negro?. Mas, por outra, ainda me questionava do aspecto selvagem disso tudo, ou seja, enquanto eu dava ordens para acelerar e suavizar a língua no meu pau, pensava seriamente no que eu fazia ali e por que eu fazia aquilo... deve ser o que todo grande estudioso vive pensando sem, obviamente, ter uma ninfetinha safada entre as pernas, mesmo que paga - esses caras não têm tempo para tanto. Isso me preocupou, porque estas implicações antropológicas nada tinham a ver com meu cotidianozinho medíocre e devasso. Daí veio a preocupação pela preocupação. O pau ignorava tais imperiosas celeumas e mantinha-se firme no propósito depositado nele, estava duro como pedra, quando os cacetes se preocupam com o curso da história percebe-se que chegou a hora da pílula azul. Eu não premeditei manter meu pinto na ignorância, mas estava feliz de sua obtusidade. Parei de dar ordens à menina, passei a olhar para o quarto, reparar nos móveis, nela... Ela parou, tirou um pentelho da boca e perguntou se tava tudo legal comigo. Abri o jogo pra ela, falei tudo, fiz a genealogia das trepadas, comparei manuais sexuais de várias épocas, enfim, enchi a cabeça da menina peladão e de pau duro. Ela me cortou no meio do palestra, encapou minha pica, subiu em cima da minha barriga, e me disse que era melhor deixar então que os dois se entendessem, pegou a ponta, direcionou na grutinha, e sentou encaixando bem gostoso, macio, depois tapou minha boca e me cavalgou robustamente, eu quase relinchei. Quando acabou ela pousou a cabeça no meu ombro, acendeu um cigarro e me perguntou sobre o que eu estava falando mesmo? Naquela hora juro que eu nem lembrava mais. Mas agora, semanas depois, me ocorre outra coisa, se eu tivesse neste instante que escrevo 150 reais no bolso não estaria nessa fossa toda, tentando colocar pingos nos is (juro que não é plágio, Nilo Oliveira) e suprimindo os pontos finais...


(trecho de "HH, uma novelinha escorada" )

7.5.07

em casa eu pensava

Em casa eu pensava no email recebido, na “ficada” de Hibari. Saí um pouco para esfriar a mente, quando fico assim só tomando vento na cara. Visto calça jeans, camisa escura, jaqueta e com o capacete na mão, desço até a Suzuki Bandit 600 na garagem... quando chego a luz acende e lá está ela, negra, refletindo a claridade... de uns tempos pra cá eu chegava na garagem e pegava a moto de forma automática, mas naquela hora recuperei meu ritual bandit de circular a moto antes, olhar os pneus, verificar os cromados, sentar, contemplar a posição de pilotagem, virar registro de gasolina, ligar a chave, a corrente, apertar o botão e sentir a Bandit aquecendo, ficando mais suave e com ronco contínuo... saio de forma suave aguardando o aquecimento, vou em direção à terceira ponte. Já passam das oito da noite, o trânsito ainda é grande, embora permita ziquezaguear entre os carros, aproveito para explorar as marchas mais lentas da motoca, estico cada uma até a rotação máxima, passo pelas principais avenidas atingindo picos de 100, 110 quilômetros por hora, velocidade elevadíssima para o horário, mas sem constância, só no final das arrancadas... pego a terceira ponte e lá ando mais suave, sentindo o vento contra no vão central... passo reto na entrada da Praia da Costa e vou em direção à Rodovia do Sol, asfalto que fica uma delícia nas noites de lua cheia... depois do perímetro urbano, estrada vazia, começa a emoção, alterno velocidades e mantenho uma média de 170... em alguns lugares atinjo a velocidade de 200 por hora. Entro esterçando nas curvas, o Bandit e a Bandit são uma coisa só... chego à Meaípe, balneário de Guarapari, e depois à própria Guarapari... rodo pela cidade, easy rider. Volto para casa sereno. Ando mais devagar quando chego de novo ao perímetro urbano. Passam das onze. Vila Rubim, a moto quase parando, vejo a entrada da cracolândia na Ilha do Príncipe, pontos de prostituição e venda de drogas perto do mercado, travecos, meninas... passo em frente aos hotéis da vila, fachada de puteiro, lembro da época em que andava por todas estas ruas a pé de madrugada, bons tempos, o Bandit já foi mais durão, nos dois sentidos. Tento imaginar o que acontece lá dentro e no meu devaneio me vejo cinco anos antes em um daqueles quartos, a cama de casal hediondamente nojenta, cômoda, cabideiro, um pequeno espelho na parede e uma pia, é toda mobília do aposento. Estou nu na cama, sento recostado na cabeceira. Uma moça morena se lava na pia, ela molha a mão na torneira e passa pela vagina, pernas.. vira-se e me olha, pergunta se já quero descer. Digo que não. Pergunta se tenho pó ou pedra, digo que não. Me pede dinheiro para comprar, dou uma nota baixa, ela abre a porta, mas esconde sua nudez. Pela fresta chama um cara chamado “gordinho” e entrega a nota. Gordinho demora um pouco, volta, bate na porta, ela atende, ele entrega um papelote. A moça coloca o espelhinho na cama, faz duas carreiras usando um cartão telefônico como ferramenta. Enrola outra nota de dinheiro e aspira uma delas, penso na imagem, rebobino, e vejo por outro ângulo aquela moça morena nua na cama aspirando aquele pó branco que veio de longe. Me oferece a outra carreira, dispenso, ela dá um sorriso e aspira, dessa vez mais suave, em três etapas, tendo o cuidado de juntar tudo de novo com o cartão telefônico. A imagem se dissipa, um carro avança o sinal, por sorte consigo desviar, tem sido assim. Chego em casa, abro minha porta e me sinto vivo de novo, a imagem de Hanna e Hibari volta à mente, mas peço um tempo, tomo um banho longo, bebo uma dose de Jack Daniels e durmo o sono dos justos. Saí do xeque, mas a partida ainda me é desfavorável.


(Trecho de "HH, uma novelinha escorada")

4.5.07

ainda sobre mim e Hibari

Ainda sobre mim e Hibari... nem dava pra ignorar as ameaças lançadas via seus olhinhos castanhos, um misto de animação japonesa, gueixa e brasilidades latentes. Eu engordava a olhos vistos e de acordo com isentas testemunhas nunca tinha sido visto tão risonho. Essas coisinhas tolas tipo andar de mãos dadas, chamar de mãiê, paiê, dentro outras palavras de cunho psicanalítico (Freud e seu charuto me entediam) quase irromperam em minha existência cinza, colorindo as frações de meu ser, tive de ser forte para não sucumbir, mas ela me ameaçava, e avançava dia-a-dia em direção às muralhas de minha solidão... Mas, vejamos, a ameaça... Bem, Hibari cobrava tudo via seus olhinhos acima adjetivados e praguejava, tacitamente, um futuro estéril e melancólico para mim, um castigo contra toda rebeldia esboçada, eu lamentava minhas leituras de Thoreau e me sentia um babaca, um artista circense vacilando na corda bamba dos carinhos de fêmea. Mas, é forçoso reconhecer, na contra mão da revolta tinha a resignação alegre regada a sexo matutino e rosto iluminado, eis a corrupção que me levou à clausura voluntária. Hibari não era uma mulher, era o epicentro de meu desejo inconsciente por uma vida menos sórdida que julgava perdido... nem tinha muito o que fazer, a mim restava apenas a obediência, tudo premiado por uma xoxota quente e certa compaixão feminina. Recebi ainda um título, de que me orgulho, recebido de sua mão com um quimono: danna. Eu não estava propriamente feliz, não deixava de pensar que apenas subia mais alto para a queda livre. Eu me traí, dei a Hibari o que não dei à mulher nenhuma. E o que eu dei era fungível, perdeu-se...



trecho de "HH, uma novelinha escorada".

HH

Preciso usar alguns tópicos para entender como Hibari entrou na minha vida: a) ela andava com graça, vestia um vestido lindo e um chapéu de palha... b) eu estava em um boteco mandando ver na manguaça e não notei que era uma mulher perigosa... c) transei com ela em minha cama na segunda vez, muita tesão e pouca grana para o motel... d) ela não foi embora depois e cismou de fazer macarrão... e) eu gostei... f) tinha descendência oriental e eu estava fascinado com a obra de Yukio Mishima na época... g) despertou em mim uma doçura que eu não tinha há quase uma década...

Podia estender a lista um pouco mais, mas acredito que o exposto seja suficiente. Como se pode ver não premeditei estar com Hibari, quando vi ela já vivia comigo.



(trecho de "HH, uma novelinha escorada")