18.1.08

Clara


Invariavelmente, com raríssimas exceções e sentimento de auto-preservação aflorado – e aqui ainda digo de minha implicância com a palavra aflorado e seus usos -, afirmo com toda verdade consolidada em anos de observação, um experimento macabro e ainda assim digno, que em matéria de amor eu entro de cara... a desgraça é que quando entro de cara elas entram com a mão, fatalmente. Culpa de dona Rita, acredito, a mulher que me fez sofrer nos seis anos em que demorei na conclusão do ensino fundamental, quando o normal seriam quatro. Dona Rita dava aulas de matemática e me salvou de um destino tedioso.

Eu não sabia de matemáticas... minhas experiências escolares nesse sentido giravam em torno do medíocre, engraçadinho e reprovado... mas senti falta de um teorema naquela hora, era natural depois de tanto fugir e tendo Clara ao alcance das mãos, literalmente ao alcance das mãos... eu tinha essa chance de defesa.

Dos fatos: o bar com pouca luz e quase vazio, ela de frente para mim, metade dos neurônios me mandando cair fora, pois, tal qual um terorema, os fatores disponíveis davam certeza de que eu ia me fuder... entretanto, a outra metade deles, mais articulada politicamente, me fez não cair fora, daí que eu estava, assim, disposto a encarar sorridente o abismo, como a dizer: “sou eu, de novo”... a intimidade com o abismo me permitiria dançar sobre ele em breve, aí sim eu estaria pronto. Um plano arriscado, confesso, mas válido. No mais, eu não acredito em matemática mesmo.

Clara é feministas desde vidas passadas, antes do conceito, por assim dizer; isso é coisa que leva à sério e não permite que se brinque. Tem o maior orgulho em dizer que o nome Clara é uma homenagem de sua mãe à Clara Zetkin, a alemã que propôs, em 1910, o dia 8 de março como dia internacional da mulher. Pois é, isto posto e eu ali, ouvindo de forma detalhada seu assassinato na Idade Média, quando numa dessas vidas passadas ela foi morta apenas por ser uma mulher à frente se seu tempo.

Eu reprovei em matemática, português também, mas principalmente matemática, e aprendi a ser tolerante com a fertilidade da imaginação alheia. E curtia o papo. Ela de repente parou e olhou para o telão, passava um show dessa nova geração de cantoras, “mais um show feminista”, ela admirou. “Mais uma reunião da sapatas”, provoquei automático. Ela me reprovou com os olhos e eu pedi desculpas... o decote tava lindo, porra!

Ela me falou, acusadora, que os homens em geral têm medo das “sapinhas”, pois elas apontam em direção a uma sociedade de amazonas, onde nós, machos, seremos refugo. “Nós só precisamos de uma espécie de fazenda onde criaremos machos para produção de esperma, isso se a ciência não conseguir construir algo mais eficiente. Pesquisas recentes apontam nessa direção”... ciência é um treco do mal, cansei de repetir.

Primeiro pensei em mim confinado em uma baia com uma mangueira acoplada no meu pênis... depois, como eu não seria um macho padrão, pensei em mim banido, vivendo nos subterrâneos e comendo ratos enquanto uma sapatinha passeava com a namorada em minha moto na superfície... eu tinha que reagir, citei meu amigo Ernesto... meu amigo Ernesto diz que nós homens ensinamos o caminho do corpo à mulheres, os primeiros anatomistas e tratadistas da matéria eram homens, “nós ensinamos o caminho científico do Clitóris, a estrada da auto-suficiência”... Depois eu falei de Reich, mas foi um erro total, uma estratégia equivocada. Primeiro porque a mina é reichiniana, sabe mais sobre ele do que eu, segundo por causa do Ernesto, ele tá tão fodido quanto eu, ou mais, pois além de ser macho, solitário e vertiginoso, o cara ainda é marxista, tem que se preocupar com a luta-de-classes somada ao elemento clitoriano. Ernesto a me dizer: “o caminho do clitóris, cavamos nossa própria cova, que tragédia! Vão tomar outra, cara?”.

Ela teve piedade, parou o massacre e propôs um empate... eu não tinha condições de recusar. Depois na cama, sob a luz da vela, exaustos e debaixo de meu lençol, ela, abraçada em minhas costas, falou baixinho no meu ouvido, talvez afagando meu brio de macho, talvez debochando do perdedor, ela disse, voz suave e linda, quase cantando: “vai ser uma pena, uma pena mesmo... vai ser uma pena abrir mão de vocês”. Eu tive a certeza de que não precisava de um teorema.

25 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Ah, querido, o que posso dizer? Tenho tanto em comum com Clara. Mas, acredito no amor, só tenho preguiça... Talvez ela também, por isso beire o radicalismo e só pense no esperma guardadinho em tubinhos... tsc, tsc, tsc.

"Os homens sensíveis precisam de uma razão para fazer sexo. As mulheres feministas precisam apenas de um lugar". Hehehehe. Talvez, nem as feministas... Dani Costa.

8:14 AM  
Anonymous Anônimo said...

Legal o conto, duda.

8:56 AM  
Blogger Transitório, por Sofia Giambarba said...

pelo visto, anda mesmo inspirado: novos textos pro blog e trabalho solitário bem avançado em uma sexta à tarde.
que bom que voltou!
encontro estranho ontem, não? depois de tantos meses marcando e desmarcando, não marcamos e deu certo. :)
beijos

9:56 AM  
Blogger Brunella said...

Eis que me pego lendo em voz alta e sorrindo com o corpo!
Esse Bandit que entra de cara e tem um gostinho doce no final do amargo, é o meu preferido.

Beijos!

10:16 AM  
Blogger Paulo Bono said...

massa, ler suas palavras novamente, caro Bandit.
abraço

7:27 AM  
Blogger GAZUL said...

Olha aí, acho que tanto machistas quanto feminista têm mais que se fuderem mesmo! Por quê? Porque isso é muito bom, ora, seja com quem for!!

Valeu, BanDuda!

8:18 AM  
Blogger Ricardo Soares said...

tb gostei do seu canto amigo... volte sempre ao meu ...és bem vindo... abs

8:26 PM  
Blogger Stephanie said...

hahahah, eu, que flerto com a vertigem, gostei muito da frase aqui em baixo. Sempre penso no Bandeira "estou farto de lirismo que não é libertação".

cresci ouvindo que os homens são um mal necessário. Nunca gostei dessa idéia, me parece muito pragmática.

Prefiro pensar que são uma escolha, uma opção, uma vocação, quase um karma, um delicioso fardo (já dizia o Whitman) - antes de uma necessidade.

esse papo de mundo de amazonas é típico de uma mulherada que quer responder opressão com opressão. Quando a grande solução entre H's e M's é justamente o empate.

belo texto!
beijo

8:04 AM  
Blogger Mariazinha Tiro a Esmo said...

Feminismo e marxismo só não são tão chatos quanto fazer cena para alguém que vc sabe, q no fim da noite vai estar enrroscada.

òtimo texto.

4:07 AM  
Blogger Tania Rejanne said...

Lindo. Eu li, mas ando com a cabeça a mil por conta de algumas novidades...Juro que vou ler de novo e de novo e de novo e com atenção. Depois te conto. Saudades e muitos Smacks...

4:43 AM  
Blogger Helena de Oliveira said...

Duda, Teoremas são lendas. A gente já sabia!


Estou de volta no blogue.


Beijo doce! Helena de Oliveira.

5:38 PM  
Blogger Patrícia Colmenero said...

Olá,
adorei seu blog!
Li seu texto num tacada só e em voz alta. me diverti muito! Um atensão que se mantém, um nível de pensamento que me agrada.
Adorei! Engraçado, mas muito cru!
Obrigada pelo seu comentário no meu blog!
Vou adicionar o seu aos meus favoritos para trocarmos mais idéias!

5:33 AM  
Blogger mississipi said...

alguns homens precisam de um teorema, sempre.

8:07 AM  
Anonymous Anônimo said...

Não é que eu esteja desmerecendo a batalha da mulher no percurso da (re?) (in?) (e?!) (O!!)volução da Humanidade mas, de vez em quando, analizando bem, não parece que a revolução feminina foi idéia de um homem?
Sei não, sempre suspeitei dessa história de queima de soutiens e invenção do controle de natalidade. Acho que foi só pra putaria comer solta.
Vamos checar, antigamente a mulher era única e exclusivamente educada para cuidar de lar, do marido, dos filhos e de si. Hoje, ela tem que ser tão bonita quanto o que é apresentado no photoshop, o lar tem que ser da IKEA, se mata de estudar, trabalhar. Não tem tempo pra cuidar dos filhos e pede ajuda a super nanny (Pra mim, aquilo é programa de terror) e fica esperando por um príncipe que nunca vem, então ela toma a espada para matar o dragão.
Ninguém nunca me perguntou se eu queria abrir mão dos meus romances polifônicos e do meu dote pra isso.

Ninguém. E se tivessem, a resposta seria - nem a pau, querido.

6:09 PM  
Blogger .leticia santinon said...

Adorei seu blog. Escreve muito bem, suas histórias são divertidas e prendem a atenção.

Voltarei aqui mais vezes.

4:15 AM  
Blogger Samantha Abreu said...

Uau!
U-au.
esse texto é do meu número.
Adorei.
Sagaz, direto sem perder e literariedade...
Adorei.

Um beijO!

1:39 PM  
Anonymous Anônimo said...

escreva mais... eu sempre olho e necas de atualizar!

5:55 PM  
Blogger Unknown said...

A sorte do personagem, foi ter reprovado em matemática. Caso contrário, não haveria nem a palavra cama no texto. Tampouco luz de vela. Se é que você me entende.

rs

Querido, escrevi um outro. Dessa vez, no próximo encontro, você dirá que estou bem com o Jô! hahahahaha

Beijão

9:17 PM  
Anonymous Anônimo said...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

4:33 AM  
Anonymous Anônimo said...

to divulgando um blog:

caferusso.blogspot.com

besos.

Carmen

1:17 PM  
Blogger Julio Cesar Corrêa said...

MUITO BOM!. QUE VENHA MAIS
ABRAÇÃO

3:12 AM  
Blogger Claudia Rangel said...

Quero mais bandit! vai atualizar não?

Beijos

5:45 PM  
Blogger Bianca Feijó said...

Tem alguém em casa?

B.E.I.J.O.S

PS:Belo texto

1:20 PM  
Anonymous Anônimo said...

Muitoo Bom!!
Também me identifico com Clara e com Dani. "Mas, acredito no amor, só tenho preguiça"
Preguiça por saber, a gente sabe qual o desfecho.

Beijos.

9:00 AM  
Blogger Jô Rodrigues said...

Adorei os textos que li, mesmo. E obrigada pela visita no meu blog, espero que continuemos nos lendo...

6:12 AM  

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