24.12.06

Diana

Diana, eu dizia que ia chamar ela só de Diana... Roberta topou e morreu de rir, perguntou se era uma antiga namorada, mas não era e ficou tudo bem, a luz acesa naquele motelzinho de quinta categoria e a mina me dizendo o tempo todo que o importante é que era limpinho, tirou a roupa devagar enquanto falava, ficou de sutiã meia-taça preto e calcinha de algodão branca estampada com ursinhos, ela notou meu olhar abobalhado para a calcinha, colocou um risinho no rostinho iluminado e se desculpou, disse que era uma espécie de renúncia à sensualidade em nome do conforto, eu adorei aquilo e perguntei por que eu não tinha visto ela por lá ainda, respondeu que era meio invisível de vez em quando, mas que hoje ela queria ser vista por mim, que conhecia minha moto e que meu nome já começava a circular entre as meninas de lá...

Depois deitou-se do meu lado, cobrou adiantado e disse que eu ficava bem de preto, falava e fazia cafuné na minha barba, eu quase dormi, mas levantei, tirei a grana da carteira, paguei e fui ao banheiro tomar uma ducha, o chuveiro ligado e ela na porta perguntando se podia entrar, podia, lógico, veio com a toalha e um robe no braço, eu tinha esquecido, me deu um sabonetinho, sentou no vaso e ficou me olhando, não queria entrar e molhar o cabelo, reclamou que tinha queimado o solado da sandália no escapamento da moto, eu disse que ia dar outra pra ela que sorriu de novo agradecida, presente de Natal com um cartãozinho e tudo, sou capaz de coisas assim.

Ela perguntou como ia ser o Natal na minha casa e sem esperar pela resposta disse que ia pra casa da mãe em Minas Gerais, outra de Minas, pensei, e respondi quando ela parou de falar que eu não era muito ligado em Natal não, nenhuma crítica batida ao consumismo desenfreado, mas àquelas panaquicezinhas estilo árvore e Papai Noel. Ela protestou, quis saber o que eu tinha contra, eu não tinha lá motivos muito fortes, mas tentei esboçar alguma coisa, disse que árvore de Natal me lembrava o marido da rainha Vitória, um otário chamado Albert que tudo que fez em quarenta anos de vida foi popularizar o uso de árvores de Natal pela Europa, depois falei que Papai Noel tinha sido criado por um chargista alemão radicado nos Estados Unidos e depois plagiado e difundido pela Coca-Cola em campanhas publicitárias. Assim, nessa época do ano, eu sempre imaginava o príncipe Albert embaixo de um pinheirinho enfeitado tomando Coca-Cola e dando um arroto descomunal, tudo devidamente aplaudido pela rainha. Aristocracia é um negócio chato pra caralho, além de patético, temos hoje o Charles, descendente do Albert, que me dá razão.

Ela não concordou comigo, disse que as árvores lembravam a infância dela e outras coisas bonitas, eu queria foder e deixei as polêmicas natalinas de lado. Saí do banho e prometi procurar um analista, ela disse que eu era doido mesmo e afirmou com um beijo no meu ombro que adorava gente doida.

Ela me vestiu no robe e me jogou na cama, oba, mais uma que sabe o que quer, eu me deixei levar, ela entrou com uma chupada maravilhosa, coisa de profissional, eu olhava aquilo e pensava que era bacana saber quanto custam coisas assim, pois as namoradas costumam mandar contas lacradas cheias de exigências absurdas. Mas tive uma recaída recorrente, falei que tinha inveja do namorado dela por receber uma língua daquelas sem a camisinha, ela riu sem tirar o pau da boca, eu vi poesia nisto. Eu vejo poesia sempre em coisas assim, por isso prescindo de ler a maioria dos poetas.

O resto foi convencional, um belo rebolado, as gemidas falsas, o gozo canastrão e um sujeito peludo embaixo pensando em fumar um cigarro e fingindo acreditar em tudo, cotidiano... ela saiu de cima, acendeu o cigarro e fumamos juntos, ela deitada de costas com a cabeça apoiada no meu peito, a gente se via do espelho no teto, era bacana o contraste de minha pele branca com a sua carne morena, eu gostei do rosto dela, tinha graça e ao mesmo tempo dignidade. Eu disse isso e ela acariciou minha mão, falou depois que tava adorando ficar ali comigo, eu me calei... o ano morria, “últimos suspiros”, ela disse isso. Eu falei que 2006 foi um ano de merda, eu tinha mergulhado mais fundo no poço seco, já tava cavando a terra enquanto as unhas sangravam, mas falei isso rindo, um sintoma da gravidade das coisas. Ela se virou para mim e me deu um selo na boca, falou que ia fazer curativos nas minhas unhas e que tinha um diploma técnico de enfermagem, eu prometi ligar se precisasse.

Levantamos, nos vestimos, pilotei a moto pela orla da praia devagar, ela grudada em mim, calados, as luzes natalinas na fachada dos prédios refletiam no painel e em mim, o negrume da noite ficava menos nítido, as luzes piscavam. Eu me sentia bem no escuro e patético na luz, deixei Diana em uma praça perto do que ela disse ser a casa dela, me deu um abraço e outro selo, me fez gravar o telefone e me cobrou a sandália. Eu tirei o dinheiro para pagar o calçado, mas ela disse que preferia o presente, com cartão e tudo, eu sabia onde levar.

Fui embora lento, pensando nas luzes, cheguei em casa, abri uma Coca e enquanto bebia lembrei que não tinha perguntado o número do pé dela. Não ia ter outro jeito, eu ia ter que ligar e perguntar.

11.12.06

O grande Lacerda

Lacerda é carioca... mas não é aquele não. Lacerda é polícia. Eu conheço pouco o homem, mas pelo que já li de suas aventuras sei que ele anda pelas madrugadas com cinco olhos, quatro ouvidos e uma ponto40 na cintura. O Bandit aqui tem em comum com o sujeito um cotidiano turbulento, a proximidade do crime e a vontade de extrair poesia desse mundinho decadente. Lacerda consegue.

O cara logo vai estar disponível por aí exibindo sua existência no romance policial A Arte de Odiar. E tem mais, o Bandit aqui ganhou dedicatória numa aventura dele que está no blog do Júlio Cesar Corrêa. Não espere até amanhã para ir lá.
  • Clica aqui, baby. Você vai gostar.
  • 8.12.06

    Meu eu escorado


    Bandit sozinho em casa, a solidão do apartamento... a solidão é uma poltrona confortável de cores sombrias... Abri um nacional mediano, gelo de forminha, e encontrei duas latas de soda na geladeira...

    Sem música, sem vídeo, só as paredes na penumbra do abajur... não, eu não vou descambar pras sacanagens hoje, não estou a fim de conceder nada pra literatura agora, nem vou contar uma história, desiste agora se você espera isso... não confie no que disseram sobre minhas habilidades... talento?

    É. Dizem por aí que sou um cara talentoso, se defendesse Raskolnikov do duplo homicídio ele pegaria no máximo 13,6 anos de reclusão e deixaria de ir para a Sibéria. Mas o que faço com meu talento? Sorry, mamãe, eu uso pra comer putinhas de graça, mas nem sempre, adoro pagar pelo sexo...

    Coerência... dez mil anos de uma civilização capenga, milhares de universo caótico e o tipinho de gente que anda por aí... Eu acho que evoluímos até demais, considerando o tipinho de gente que anda por aí... o mundo é abastado em coerência.

    (parêntesis: gravata deve ter alguma coisa a ver com coleira, deve fazer parte de alguma sacanagem de um estilista molieriano passando um pente no rabo da burguesada fingindo um afago)

    Estou completando 29 anos hoje e tenho cartas na manga, um olho no crupiê, outro no espelho: vejo meu rosto sincero, é minha melhor jogada... a pior desgraça que pode acontecer a um vampiro é ter rosto de canalha, meu vampirismo se manifesta entre as bolas e a glande do pênis, mantenho assim um sorriso benévolo. Drácula no século XXI estaria fodido, seria gerente de boca, nem chegaria ao colarinho branco, talvez até virasse o excêntrico motorista da tower do banco de sangue.

    Um cara calmo demais, eu sou. Acontece às vezes de ser paciência, noutras é indiferença mesmo... tento adivinhar o que vão dizer antes de terminarem a frase, e preparo meu ataque durante o abrir e fechar de lábios de quem me fala, só bato se realmente valer a pena. Se o cara me surpreende eu uso improvisações aprendidas em exercícios de artes cênicas, fui um ator medíocre de um teatro infame... o contrário também cai bem.

    Pesadelos... tenho pesadelos, num deles sou preso pelos militares, solto pela anistia, e depois preso pelos petistas que chegaram ao governo – Sade entende dessas coisas. Na minha cela Ernesto Che Guevara está vivo e pergunta o tempo todo: quantos somos? Brizola quer saber: vivos ou mortos? Mortos, digo olhando pro Guevara que baixa a cabeça e resmunga creo que sea el fin de la revolución. Todo mundo que nasceu em 1977 deve sonhar coisas parecidas...

    Eu dormi no fora Collor e meu mundo é a planície... tenho a profundidade de um Sátiro... Adoro cafunés pagos, releituras de livros e vento na cara... Encontrei Saulo ontem num sebo da 23 de maio e o cara folheava Piotr Kropotkin com paixão, eu também fazia isso em 1999.

    Sátiro... quando lembro de revolução penso em sexo... Ela, nua, tatuada em henna, me pergunta se o correto é “pele dos indianos” ou “peles de indianos”?... Recomendo o singular, embora num lugar em que se admitam castas certamente pode-se usar sem medo o plural para pele. Esse negócio de pele é sério e eu venho tentando salvar a minha já há algum tempo.

    É meu aniversário, já falei. Ganhei o dia de folga, está nublado, mas fiz o que nunca faço, passei a tarde de hoje na praia, óculos escuros e boné, sentado no quiosque olhando o mar sem cor... pouca gente na areia, fiquei atento a duas mulheres sentadas vigiando várias crianças que corriam sorrindo, brincavam de pique enquanto eu dava goles macios na minha cerveja. Uma menina tropeçou e caiu chorando e todos foram embora depois. Eu tava me divertindo. Pensei num palavrão. Adoro palavrões... Nem pra falar hoje em dia, só para lembrar, colecionar... tenho cada pérola guardada... tive uma mina que achava esse negócio de palavrão barato, gratuito... porra, pra mim foi caro, no passado paguei com sangue os palavrão usados...

    (Outro sonho estranho: eu com um chapéu de palha cantando sambas de Moreira da Silva para uma platéia de coroas ensandecidas num cabaré decadente... quero sugar essa força do velho Moringueira; há tanto tempo tentando um texto forte, vibrante, e cedo a pieguices sem tamanho, amenidades tolas... é difícil manter minha literadura...)

    Minha literadura: eu bebo nos botecos da Ilha da Conceição de madrugada, ao lado de traficantes, ladrões, damas e santos... mas compro chocolates nas Lojas Americanas... depois vou procurar livros em promoção, eles ficam perto da seção de lingerie... Já achei Mallarmé um dia, mas agora só encontro a Matemática dos Aniversários e livros ensinando a trepar sem a graça e o brilho dos antepassados, dos Vatsayana, dos al-Nafzawi... a cultura de massas enxuga muita coisa, mas o que ela mais seca é a alma e o sexo... a gente trepa muito e sente pouco, maus orgasmos cotidianos e necessários, a alma pela metade.

    (mas de tempos em tempos acontece o gozo que redime, me abastece em sua arena de luta e paixão...)

    Bebo ainda, mas é absolutamente necessário que eu mantenha-me lúcido... eu bebo pra ver melhor, não para fugir.. um sadomasoquismo social, é por aí... Já criaram o darwinismo social e agora estão usando Nietzshe como auto ajuda...

    Eu prefiro essa de sadomasoquismo social, o caminho até aqui foi fodido, mas antes de me vangloriar por ter escapado, temo pelo resto de estrada e a quantidade de munição que sobrou: pipoquei metade das balas até os 25 anos. Depois daí passei a dar tiros seletivos, tenho chumbo ainda, mas isso cessa sem mandar recado, principalmente na hora de cruzar o redemoinho.

    Vivo e sinto presente a bala guardada com meu nome gravado, todo dia... munição do caralho que não masca, pólvora negra, clássica: 75% de salitre, 15% de carvão e 10% de enxofre...

    E é esse cheiro de morte que anuncia o crepúsculo avisando que o sol não vem trabalhar hoje, sumiu essa semana, o sacana. As meninas estão perdendo as marquinhas de biquíni nas ancas e isso é imperdoável... imperdoável.








    Ilha de Vitória, 08 de dezembro de 2007.