7.5.07

em casa eu pensava

Em casa eu pensava no email recebido, na “ficada” de Hibari. Saí um pouco para esfriar a mente, quando fico assim só tomando vento na cara. Visto calça jeans, camisa escura, jaqueta e com o capacete na mão, desço até a Suzuki Bandit 600 na garagem... quando chego a luz acende e lá está ela, negra, refletindo a claridade... de uns tempos pra cá eu chegava na garagem e pegava a moto de forma automática, mas naquela hora recuperei meu ritual bandit de circular a moto antes, olhar os pneus, verificar os cromados, sentar, contemplar a posição de pilotagem, virar registro de gasolina, ligar a chave, a corrente, apertar o botão e sentir a Bandit aquecendo, ficando mais suave e com ronco contínuo... saio de forma suave aguardando o aquecimento, vou em direção à terceira ponte. Já passam das oito da noite, o trânsito ainda é grande, embora permita ziquezaguear entre os carros, aproveito para explorar as marchas mais lentas da motoca, estico cada uma até a rotação máxima, passo pelas principais avenidas atingindo picos de 100, 110 quilômetros por hora, velocidade elevadíssima para o horário, mas sem constância, só no final das arrancadas... pego a terceira ponte e lá ando mais suave, sentindo o vento contra no vão central... passo reto na entrada da Praia da Costa e vou em direção à Rodovia do Sol, asfalto que fica uma delícia nas noites de lua cheia... depois do perímetro urbano, estrada vazia, começa a emoção, alterno velocidades e mantenho uma média de 170... em alguns lugares atinjo a velocidade de 200 por hora. Entro esterçando nas curvas, o Bandit e a Bandit são uma coisa só... chego à Meaípe, balneário de Guarapari, e depois à própria Guarapari... rodo pela cidade, easy rider. Volto para casa sereno. Ando mais devagar quando chego de novo ao perímetro urbano. Passam das onze. Vila Rubim, a moto quase parando, vejo a entrada da cracolândia na Ilha do Príncipe, pontos de prostituição e venda de drogas perto do mercado, travecos, meninas... passo em frente aos hotéis da vila, fachada de puteiro, lembro da época em que andava por todas estas ruas a pé de madrugada, bons tempos, o Bandit já foi mais durão, nos dois sentidos. Tento imaginar o que acontece lá dentro e no meu devaneio me vejo cinco anos antes em um daqueles quartos, a cama de casal hediondamente nojenta, cômoda, cabideiro, um pequeno espelho na parede e uma pia, é toda mobília do aposento. Estou nu na cama, sento recostado na cabeceira. Uma moça morena se lava na pia, ela molha a mão na torneira e passa pela vagina, pernas.. vira-se e me olha, pergunta se já quero descer. Digo que não. Pergunta se tenho pó ou pedra, digo que não. Me pede dinheiro para comprar, dou uma nota baixa, ela abre a porta, mas esconde sua nudez. Pela fresta chama um cara chamado “gordinho” e entrega a nota. Gordinho demora um pouco, volta, bate na porta, ela atende, ele entrega um papelote. A moça coloca o espelhinho na cama, faz duas carreiras usando um cartão telefônico como ferramenta. Enrola outra nota de dinheiro e aspira uma delas, penso na imagem, rebobino, e vejo por outro ângulo aquela moça morena nua na cama aspirando aquele pó branco que veio de longe. Me oferece a outra carreira, dispenso, ela dá um sorriso e aspira, dessa vez mais suave, em três etapas, tendo o cuidado de juntar tudo de novo com o cartão telefônico. A imagem se dissipa, um carro avança o sinal, por sorte consigo desviar, tem sido assim. Chego em casa, abro minha porta e me sinto vivo de novo, a imagem de Hanna e Hibari volta à mente, mas peço um tempo, tomo um banho longo, bebo uma dose de Jack Daniels e durmo o sono dos justos. Saí do xeque, mas a partida ainda me é desfavorável.


(Trecho de "HH, uma novelinha escorada")

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

é interessante o seu estilo de escrever... gostei do seu blog.

7:54 PM  
Blogger Sara said...

Velocidade ufa.De uns dias pra ca venho tendo umas travações(rs), me sentindo totalmente sem inspiração, sem saco.Não me sinto entretida com nada.E lendo isso senti uma saudade da velocidade, de sentir meus olhos lacrimejarem na estrada, ultrapassar sem justificar, a sensação nua de se jogar no vento e lembrar o que suspendi enquanto estava inerte me convencendo de sentimentos emprestados de outros.Me pego pensando:"A merda toda, é esquecer ou lembrar?!".Me sinto jogada num imenso vazio de causas perdidas.E sou parte de pequenas frações de todas elas.Merda!

11:35 PM  
Blogger Sara said...

Este comentário foi removido pelo autor.

11:35 PM  
Anonymous Anônimo said...

Acho tua narração ótima, moço.
Bem trabalhada, prende o leitor.
Parece que essa tua paixão pela Bandit, é grande mesm, hein?!
heuheuheuheueuhe
E obrigada pela comparação com Drummond, mesmo sendo uma frase, é um grande elogio.
: )

11:06 AM  
Blogger Julio Cesar Corrêa said...

Born to be wiiiiiiiiiiild
Daria um bom roteiro. Vc sabe que essa é a minha praia, ou seja, a poesia que se extrai da lama.
Virei fã de HH.
gd ab

4:53 PM  
Blogger Guto Melo said...

Gostei do torque do motor do texto.

7:39 PM  

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