20.5.07

decido falar sobre Hanna...

Decido falar sobre Hanna e as torpezas de nossa paixão idealizada, de como a gente se trancava em quartos de hotel durante o fim–de-semana, ou circulava pelos motéis dos arredores da ilha, hábito que se tornou mais raro depois que Hibari mudou-se para minha vida. Ela tinha 18 anos e usava roupas escuras, olhos contornados em negro, uma pantera, a despeito da idade... Hanna sempre teve o olhar maduro. Alguns meses depois ela já não usava o mesmo visual, mas continuava linda, ferina, mudei o apelido de pantera para tigresa, tudo inspirado em Sônia Braga e Márcia Denser.

Hanna queria ser escritora e eu gostava de ler livros... Nossa relação literária evoluiu para a cama enquanto discutíamos o conceito de criação na decadência das vanguardas... Ela quase venceu minhas barreiras, a cada trepada com Hanna sentia-me mais dependente dela, daí que eu fugia um pouco, evitando a vivência diária. A gente se via uma ou duas vezes por mês e foi assim que me livrei de uma intimidade que pensei não ser capaz de oferecer à nenhuma mulher.


Nossa cama-mesa-chão-carro acontecia de forma selvagem e alegre, nada do sexo melancólico ou carregado de sutilezas, tudo acabava em diversão e com o sangue pulsando mais forte nas veias, me sentia vivo e varonil... daí o paradoxo presente em certa suavidade, pois Hanna me fazia esquecer do que eu achava que precisava, de repente meu mundo sórdido fazia sentido, um conforto expresso na medida em que eu não tinha mais nada para aprender e que o que eu sabia não valia muito também... era como se eu pudesse mandar o mundo se fuder com uma confortável verdade nos lábios... O instinto arquitetava nossa relação suprimindo qualquer necessidade de necessidade, depois de trepar com minha tigresa eu entrava num vazio nunca sonhado, numa existência que pouco pesava... eu despejava, delicadamente, com o perdão da imagem, a alma junto com o esperma.

Mentiria se dissesse que não notei que Hanna mudava de uns tempos para cá, que solicitava minha presença em sua vida de uma forma quase desesperada, percebia a vontade que tinha de ser vista em lugares públicos comigo, mas recusava seus convites para cinema, festas na casa de amigos e, por último, o casamento de uma prima.

Neguei a princípio essa aproximação pela forma como Duda Bandit se protegia de qualquer tentativa de invasão de um cotidiano confortável e moralmente indecente, mas depois o fiz por Hibari, a mulher que violou as minhas muralhas ocupando minha cidadela sórdida. Não havia espaço para a tigresa porque uma nação bárbara vinda do oriente chegou antes no centro da cidade vencida. Mas não excluí Hanna por completo, havia algo a oferecer dentro dos despojos de guerra, mas ela não quis. Nessa guerra, eu, docemente atacado por fêmeas únicas e lindas, vivi na iminência de ser desmascarado pelas duas, por assim dizer, “mulheres da minha vida”.

Mas agora penso se teria deixado Hanna mergulhar em minha vida, assim como mergulhei em seu corpo, se Hibari não tivesse arrebatado esse espaço antes... penso que sim, que aceitaria ser seu homem, seu macho, aceitaria ter conta conjunta, planejamento de férias em um hotelzinho idiota de Angra, churrasco na casa dos amigos dela, ouvindo uma confluência de ritmos, do samba ao funk, e me esforçaria para que ela se orgulhasse de mim, contaria piadas, jogaria futebol com os filhos dos amigos e as amigas dela diriam que eu seria “um grande pai”, assim... Hanna merecia isso.

Mas agora ela está com outro sujeito, pelo visto deve ser professor de filosofia de alguma faculdade fuleira por aí, é um desses caras de blazer escuro e cara de pastel circulando pela noite, conversando, conversando, conversando infinitamente com as meninas, um nojo... como a minha tigresa caiu nessa? Filosofia existencialista, só pode ser... Eu tenho um Cioran bem lido, acho que escolhi o filósofo errado.



(Mais um trecho de "HH, uma novelinha escorada". É um livrinho que está se impondo dia-a-dia na minha vida... É o penúltimo pedaço que posto aqui. Em breve retorno com os contos do Bandit)

7 Comments:

Blogger Paulo Bono said...

Caro, Bandit. queria eu ser um puta editor agora, para publicar seu puta texto e te enviar um puta cheque. abraço.

10:17 PM  
Blogger KARINA ZARPELLON said...

Degustando por aqui.... beijos!

1:14 PM  
Blogger Marília said...

Este comentário foi removido pelo autor.

4:15 PM  
Anonymous Anônimo said...

às vezes me pergunto se serei capaz disso tudo.

a vida é tão engraçada... a gente constrói ela toda ao mesmo tempo que ela se autoconstrói bem antes para destruir de propósito nossos planos e construir em nós o presente de lembranças felizes.

Por que agora as coisas estão ruins, mas o que foi bom conforta. mas há o desapontamento... Meu Deus!
Esquece tudo, viajei demais agora.
Adoro vir aqui.
beijos e até.
;*

4:16 PM  
Anonymous Anônimo said...

Olá Duda Bandit, adorei te conhecer no lasanha, tava muito gostoso lá. mas aqui foi ainda melhor. Obrigada pelo prazer que me proporcionou. beijo na pena e no papel, maria angélica

7:53 PM  
Blogger Duda Bandit said...

um puta obrigado, Paulo...

oi, Karina. Eu degusto o seu texto todos os dias, quando não tem coisa nova eu releio os antigos. brigadão.

viajar é o ponto certo, a medida das coisas... on the road, baby... um beijão.

Olá, Maria Angélica. outro beijo e valeu a força. até!

8:11 PM  
Blogger Hanne Mendes said...

Ei, rapaz!
Achei muito legal, mesmo lendo fragmentoe e de forma fragmenteda, o HH.
Não esqueça o nosso trato, hen??
Abraço e saudades

6:41 AM  

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