Eu fui chamado de danna
"No flanco do motor vinha um anjo encouraçado"
(Ana C.)
Eu fui chamado de danna com todas quase todas as prerrogativas do título, “quase todas” porque meu reinado somente tornava-se completo durante o banho. Chegava em casa e lá estava meu robe e minha caneca, mas eu mesmo tinha de fazer meu chá, nem me importava, desde que tivesse tudo no banho... ninguém gastou tanta água quanto eu e Hibari, nossos banhos duravam horas e horas... é por isso que a hora do banho se tornou um momento delicado, é tão doloroso abrir o chuveiro sabendo que quando retirar a espuma do rosto e abrir os olhos ela não vai estar do meu lado, rindo delicadamente enquanto a água escorre pelo cabelo, face, seios, barriga, púbis, pernas, pé...
Acabo de sair do banho, tenho meu robe e minha caneca, reluto em dizer que recebi um telefonema de Hibari e que ela diz que não volta mais, que o que “vivemos foi uma coisa única”, “nunca me esquecerá”, mas que seus planos e projetos não me incluem, pois percebeu “certas opressões em nosso cotidiano” e fatalmente haveríamos de nos “tornar carrascos mútuos”, numa relação pobre e melancólica, falou ainda na "necessidade" de dissolução da minha couraça e das conseqüências energéticas disso tudo no meu equilíbrio interno, ela disse que enquanto eu não conseguir exprimir todos os meus sentimentos, emoções e carga sexual dentro da relação, prezando o amadurecimento de meu amor, jamais encontrarei a satisfação e a paz... não é só, levantou ainda injúrias contra meu pênis, disse que o fato de eu ter um pau duro sempre disposto ao sexo de nada adianta uma vez que estou bloqueado para os orgasmos etéreos, me acusou depois de travado e insensível... porra, isso que dá um mês na casa de uma terapeuta reichiniana...
Vejamos, eu não tenho nada contra Wilhelm Reich e suas seguidoras (pelo menos até então não tinha). Segundo, eu acredito piamente que as xoxotas libertas tendem a tornar o mundo um lugar melhor para se viver, agora o que não aceito, de forma alguma, é que a tempestade do Sexpol caia toda no meu telhado, eu nunca fiz terapia, meus ódios e melancolias foram sempre tratados no boteco ou no corpo delas, e me sinto bem assim, ser feliz nunca foi um desejo consciente meu, gosto de olhar o mundo de minha forma ranzinza e cinza, assim fico mais sensível a qualquer colorido que realmente destoe na paisagem, quero dizer ainda que, apesar dos sorrisos no bar ontem à noite, não encontrei de novo a estrada de asfalto firme em que me aventurei outrora, antes de Hibari pedir carona... tá cada vez mais difícil segurar a motocicleta na curva. Incomoda-me também o ar vingativo que suas palavras adquiriram, era como se o pé-na-bunda recebido fosse o troco pelo sofrimento que causei a todas as mulheres, a contar dos lanches roubados na primeira série, nesta visão minha angelical menina tornou-se um daqueles anjos vingadores, depositários de um misticismo cruel e sinistro... Para finalizar, uma vez que receio destruir tudo o que escrevi até agora, destaco que a frase mais triste de todo o texto está aqui, apesar da falta de poesia e devidos adornos: Hibari não volta mais.
(Este é um dos capítulos finais de "HH, uma novelinha escorada". Vou sumir umas semanas para tentar harmonizar o que já escrevi, se bem que a definição real disso tudo só chega em julho... falo de vida)