8.11.06

Duda Bandit, o hematófago

Tem gente que coleciona fetos... outros fazem yoga. Alguns, de tão azarados, tentam suicídio, tentam... Bandit gosta de motos japonesas, lê L.F. Celline e faz farras com putinhas... mas essa noite não. Precisa de caça... nada de comércio, minas à escolha no catálogo...

Seis andares em cima da rua sete... Bandit na janela do apartamento olha quem passa... as pernas parecem tão longas no passo... vontade de descer, entrar no Bimbo e tomar uma cerveja no balcão, manjar os tipos... quem sabe aquela moça? É terça-feira. A rua logo vai ficar vazia, é preciso ir depressa.

Não. Uma pilha de processos na mesa, tanto papo para conseguir trabalhar em casa e furar logo na segunda semana?

Os habitantes da noite... fauna escassa em Vitória. Bandit olha a pilha de papéis, os códigos do lado, doutrinas – esses penalistas certamente não trepavam – pensa com convicção. Senta, digita algumas palavras... pára. Recosta, bota as mãos na nuca e lembra de quando as coisas pareciam mais simples, o que deu errado, droga? O telefone toca. Atende e uma voz feminina, rouca, provavelmente bêbada: Rafael?

– Não, querida, você errou o telefone do anjo, mas se você quiser....

Ouve o pipipipipi... imóvel e patético por cinco segundos e volta à janela. Os guindastes do porto vistos por uma fresta entre dois prédios, imaginou-se levantado por um deles e depois, numa falha operacional imperdoável, sendo despejado no mar. O burburinho das vozes na rua, seis andares abaixo, faziam a solidão começar a doer. Vampiros são assim, fazem tudo por solidão, só pra desejar companhia depois...

Foi até a estante e entre empoeirados livros de Marx e Hanna Arend achou os poemas de cárcere do Ho Chi Minh, pensou em jogar um deles na petição: escolheu aquele em que Ho Chi Minh caminha pelas montanhas e os tigres não o incomodam, mas na planície é preso por outro homem... não fazia muito sentido na peça processual, mas, porra, pouca coisa faz sentido nos tribunais.

O tédio comia pelas bordas... a imagem de cada móvel na sala trazia desconforto, teve nostalgia de amor passado. Sentiu na cabeça os cafunés de Leidinha, ouviu a voz de Roberta, lembrou da indiferença de Dolores e se divertiu com o sarcasmo de Reyna... Não veio à mente nenhuma trepada, o que evidenciava que mais um pouco de tempo ali sozinho estaria fatalmente fodido, melancólico e fodido.

Todas as mulheres quando foram embora disseram coisas semelhantes, o que ele mais ouviu foi “nunca mais, cara”. Algumas não disseram nada, as melhores. Teve uma que pinchou palavrões na parede... foi lindo.

O tédio.... pode saber, boto o dedo na cara de qualquer padre, teólogo, filósofo, sacana, aproveitador, bispo da Universal, etc... digo que deus e o diabo vão manter o jogo equilibrado eternamente, com ligeira vantagem para o inferno... Porra, o tédio é o contraponto, o inimigo. No fundo o capeta é um aliado do divino na luta contra um mundo plano, enfastiado... Bandit me ensinou. Por isso ele não se encrencava com nenhuma religião, desde que ela ficasse na dela e o deixasse na dele. Pronto. Descer ou não descer à rua deixou de ser uma questão pessoal para virar um questionamento filosófico sobre a natureza do divino... Caralho! O único Divino com quem Bandit simpatizava era um mulato cheio de ginga que cumpria um restinho de pena no Instituto de Readaptação Social – IRS, na Glória.

Tédio, trabalho, tédio... Perguntou-se de repente: O que diria Henry Miller nessa situação?... nada, sairia simplesmente em busca de boceta.

Pouco depois estava no elevador... saiu, sentiu o ar da noite, úmido pela chuvisco que cessava.. respirou fundo... sentiu falta de gente, mas só para ver... andou, Ceará fechado, Nakano vazio... uma mesa com conhecidos, todos homens... esquivou-se... detestava a companhia masculina.... Suportava apenas um, o Gafanhoto, porque tinha a capacidade de sonhar sem ser babão.

Bimbo. Meio cheio, meio vazio... procurou por Nina, a garçonete dos bons conselhos... de folga... homens, apenas homens no boteco. Resta a cerveja e pescar o papo alheio... futebol, trabalho, reformas, política... foi na Jukebox e procurou Rauzito... o som começa e muita gente reclama da quebra da hegemonia de Bruno & Marrone no espaço. Dá de ombros, termina a cerveja, a música, paga a conta e volta pra rua. Pensa... pegar a moto e sair está fora de planos, chuva fina e indecisa desde o entardecer... vai andando, tentando descobrir coisas novas na arquitetura da cidade. Inútil. Bandit é capaz de descrever todos os casarões antigos, monumentos, praças... cinco anos por essas ruas passam rápido, deixam fotografias na memória, algumas serenas, outras gravadas com muita dor.

Os bares do porto estão fechados, já é tarde. Entra na Princesa Isabel, putinhas concentradas, recebe propostas de sexo em promoção: hoje não, minha linda! Não era desse jeito que Bandit queria mergulhar na carne essa noite. Nem teria saído de casa se assim fosse, chamaria uma putinha universitária delivery... hoje não. Prossegue e chega no parque, um bar aberto ainda... pequeno. Gente em torno do balcão circular, de modo que os clientes se encaram como uma mesa redonda, um seminário, parecendo essas frescuras de universidade. Senta no meio. Conhaque. Vários homens, duas bichas, uma coroa meio passada... lembrava Gertrude Stein retratada por Picasso, porém, vestia cores mais alegres. Como é difícil cobiçar nesta cidade, pensou. Fim de madrugada, não a desprezaria como possível vítima, aceitaria um jantar menos farto – tudo que quer é aliviar esse troço que dá no peito, uma agonia que dali parte para o pau, sobe à cabeça... contrai as mãos... um corpo para dissolver-se e remontar-se em novas bases... renovar-se a cada trepada... sexo... daí a palavra comer boceta, a cultura popular nunca é tola, comer, alimentar-se... devorar... fazer-se daquela matéria... dali saímos... às origens.... Drácula recupera suas forças na Romênia...

Gertrude, a do boteco, com duas bichas... um dos veados falava alto... mostrava seus conhecimentos de cinema italiano... De Cicca, Pontecorvo, Antonioni, Bertolucci, falava mal de Fellini... Bandit entra no papo, comenta que gosta de E la nave va, ressalta que Amarcord trás recordações absurdamente lindas de um passado não vivido – a bichona falante mira Bantid e morde os lábios, a bichinha calada baixa os olhos... Gertrude sorri, com poucos dentes –, de qualquer forma, prossegue Bandit, o filme de Fellini que mais me identifico é Os boas-vidas... Bichona fica indignada por perder o centro de atenções e de ser questionada. Gertrude senta do lado e pergunta o nome do cara: Duda Bandit...

Bandido, ladrão?

Não, é que ando de moto, uma suzuki bandit... Duda tem um monte por aí, recebi o apelido pela motoca... distinção.

Bichona experimenta uma mudança de tática... não quer perder sua platéia de bêbados... Nanni Morett, o que Bandit pensava do péssimo cinema feito por Nanni Morett? Autobiográfico e levemente massificado, incisivo... me agrada profundamente, responde o hematófago. Gertrude pôs-se a brincar com seu joelho, os dedos subiam pelas cochas, e desciam... o pau reagia... Gertrude bêbada lembrava as mulheres de Bukowski em seu memorável livro a elas dedicado.

Bichona partiu para os americanos de raízes italianas, elogiou Tarantino... Bandit, do contra, jogava na sua cara, rugindo, que Tarantino atualmente era um bocó deslumbrado com efeitos especiais, uma criancinha mimada que ganhou moral e fortuna com seus bons filmes para torrar tudo agora em películas idiotas. A bicha franziu a sobracelha, lacrimejou e pediu para Bandit perdoar o Quentin, e o fez também prometer que iria ver o próximo filme do cara... Não desiste de Tarantino, Bandit – derreteu-se, lânguido...

Sim, não desistirei, por você. Bichona ficou satisfeita. A platéia se acalmou. Gertrude, a pretexto de cochichar no seu ouvido, metia a língua lá dentro... Bandit foi gostando... uma ereção cavalar... Vamos, meu bem – disse Gertrude... Bandit deu um beijo no rosto do veado para amenizar as altercações e mandou Gertrude esperar lá fora, enquanto ia no banheiro... Bichinha disse as primeiras palavras da noite, quase que suspirando: adoooro Pasolini.... Bichona fingiu não ouvir, somente recomendava a Gertrude que cuidasse bem do boff.

Bandit pegou o corredor em direção ao banheiro e notou que Bichinha vinha atrás... Bandit desabotoou a calça, abriu o zíper, quando ia direcionar o pau no mictório ela pediu para segurar enquanto ele mijava... respondeu que não, iria travar... ela disse que não travaria, que tinha técnicas apuradas... Bichinha pegou o pau do vampiro, apontou na direção da louça, sua técnica era imitar o barulho de água corrente com a boca.... Olhava Bandit, o pau e ria... ria... e imitava uma torneira aberta.... quando a mijada acabou o veadinho já ia colocar o cacete na boca... quase abocanhou... Bandit aplicou-lhe um violento soco e Bichinha foi parar no canto do banheiro, recolhida... amedrontada... Ele foi em direção à porta, mas parou....pensou, porra, mas que mijada boa... voltou-se para o viadinho... caminhou lento em sua direção, pensava só na porra da mijada boa... parou em frente a Bichinha, ainda caída, pegou seu queixo com doçura, levantou até a altura dos quadris, Bichinha ficou de joelhos, ele tirou o pau e ofereceu dizendo: Por Pasolini, baby... capricha!

15 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Fante e Buck no cenário capixaba..quem diria que daria tão certo?
Continuo lendo...abraços.

7:48 AM  
Blogger Thiago Luz Raft said...

Cacete, foi você mesmo que escreveu? Ainda bem que fiquei te cobrando uns anos que voltasses a escrever, Agora só falta voltar para o teatro. Um abraço...

9:22 AM  
Anonymous Anônimo said...

Este conto daria um filme, enquanto lia eu via as imagens, um filme em branco e preto. Grande abraço.

4:30 PM  
Anonymous Anônimo said...

kkkkkkkkkkkkkkkkk
muito bom, não esperava!
muito bom, adorei.

quanto ao futuro oferecido, sem garantia eu fico com o meu mesmo... valeu :)

Ju Dadalto

4:14 AM  
Blogger Julio Cesar Corrêa said...

Esse foi na veia, véio. concordo com a Anne, daria um curta. Um bandido intelectual, misturando pasoline, De Cicca, Fellini, Bertolucci com sacanagem, é a minha praia. É uma direção perigosa e tem que ter habilidade para fazê-lo. Vc é bom no volante. Aguardo novos textos.
Respondendo as perguntas que vc fez lá no Bala, a Luiz de Camões fica atrás da Praça Tiradentes, centro histórico do Rio. Lugar decadente e de baixa prostituição. A cena das putas mijando foi verídica. Foi vista justamente ali. Achei que havia uma certa poesia naquelas imagem. As putas fazendo paredinha para a companheira mijar. Não concorda?
grande abraço

12:50 PM  
Anonymous Anônimo said...

quem me dera, Mara...

Valeu Thiago, mas não volto pra essa porra...

você é benovolente comigo, anne'marie...

julio, adorei a cena da paredinha no meio do "interrogatório"... esse tipo de cena diária (e bela...) dá vida ao texto, experiência... sei lá... brigadão...

2:32 PM  
Anonymous Anônimo said...

Amigo Duda, passei para te desejar um final de semana com muito vento na cara, emoção e o carinho dos amigos. Um abraço bem apertado.

5:41 PM  
Anonymous Anônimo said...

valeu, Ju... adoro quando te vejo aqui.

Para você também, anne'marie.

8:53 AM  
Blogger Hanne Mendes said...

Cara, você me surpreende!!!
Apesar dos palavrões, dos quais eu não gosto, o texto é realmente interessantíssimo.
Nunca achei q o cenário noturno de Viória fosse tão, digamos, rico.
Vir aqui é sempre um bom programa, ainda mais quendo a internet anda tão pouco diversificada!

Até o próximo, Duda.
Um abraço

9:25 AM  
Anonymous Anônimo said...

Espero que teu final de semana tenha sido com muito vento na cara, chop com amigos e alegria de viver. Tenha uma semana muito feliz.

3:21 PM  
Blogger Jorge Ferreira said...

ducaralho!...cara, o cinema nao aparece ai por acaso...com certeza daria um curta...endosso a opiniao dos amigos acima...abraco, meu velho!

10:50 PM  
Blogger Hanne Mendes said...

Duda, se puder, dê-me o seu email, pode deixar lá no blog, blz??
Grande abraço, t+

4:08 AM  
Anonymous Anônimo said...

Valeu, Jorge. Como você já disse, vamos tentando... melhorando a cada dia. mas não é fácil. Respeito muito seu texto, gosto em especial das poesias. guardo sempre.


tá dado Hanne.

abração

5:40 AM  
Anonymous Anônimo said...

Cara, bom pra caralho teu texto. Sempre é bom descobrir quem mete a cara e manda ver. Como Nilo Oliveira e Mário Bortolotto, pra citar dois que têm colhões. Vai pra lista dos favoritos. É isso!

10:09 PM  
Anonymous Anônimo said...

Cara, bom pra caralho teu texto. Sempre é bom descobrir quem mete a cara e manda ver. Como Nilo Oliveira e Mário Bortolotto, pra citar dois que têm colhões. Vai pra lista dos favoritos. É isso!

10:09 PM  

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