13.10.06

A Ilha dorme cedo...

A ilha dorme cedo... os gatos saem, ronronam em meio ao lixo não recolhido, fogem de cães noturnos... os gatos que se amam, amam ruidosamente nos telhados molhados do início de primavera...

É assim esta primavera, quente e úmida... a ilha ainda não firmou suas estações... chuva, sol, chuva, sol...

Chuva morna embaçando o pára-brisa, o limpador enxota os pingos d'água enquanto dança fora de ritmo...

Bocas em silêncio ouvindo Chico Buarque e a curva mostra pouco a pouco o caminho que segue, a estrada irregular levando à saída da ilha e em breve a volta à ilha...

É a noite em Vitória... um constante sair e entrar na ilha por suas seis pontes... bem mais pelas três entre Cariacica e Vila Velha, ou a da Passagem, que liga Andorinhas à UFES, caminho da Lama, Jardim da Penha.

Chico passa a bola para o jazz, Thelonious Monk ao piano executa a trilha sonora de um olhar melancólico pré-porre.

Ainda é metade da noite... Amigos identificados nos bares que surgem no vidro, enquanto passamos devagar em frente à calçada... alguns felizes, brindando para não ficarem sete anos sem trepar, e como diz meu amigo Craft, não precisarem depois de uma rara boceta ruiva para quebrar a maldição, tem que ser autêntica, encarnada de nascença... E é quase sexta feira 13, o misticismo solto, os terreiros calados, Eguns libertos, Zé Pelintra virando cachaça no balcão.

(Horas antes, uma tarde cheia de lirismo, o passado presente na arquitetura da cidade alta, a natureza caótica da Gruta e Camille Claudel...
...Camille Claudel se negando a ser a sombra de Rodin, mas uma sombra no meu coração desnudado... Bec, minha amiga novaiorquina, com vontade de abraçar a velha, beijar o bronze frio. Éh muiiitwo bonitooo! - faz pausa para escolher as palavras em português, eu, que entendo lhufas de inglês, peço para ela falar no seu espanhol de seis meses em Buenos Aires: nãô, iô quiro falar em pórtwugués! Ok, concordo, e aguardo as palavras que saem belas, novas em folha.)

A chuva dá um tempo... Estamos agora no Geraldo, lama, continente. Uma galeria de gente conhecida e desconhecida que entra e sai, lembranças que vêem à tona, o anarquista Bola de Sebo, sentado a meu lado, relembrando sua militância católica e sua expulsão da igreja... Sampaio cruel saindo das caixas de som, até fazer o aparelho bater as botas (nem ele resistiu ao cara que botou o bloco na rua). Sem som, o ruído do bar fica mais cotidiano, risadas mais altas, vozes roucas que se elevam em uma discussão sem fim nas mesas de fora..

O barulho vai cessando, o dinheiro... Vamos ficando sozinhos no bar, garçons já começam a recolher mesas. É a hora mágica, entre às três e quatro e meia, em que os gatos voltam para casa. Selam-se as garrafas de cerveja temporariamente, uns malucos, inconformados, parecem não acreditar que os bares precisam fechar; outros, descaradamente, vão disfarçando, ficando... parecem premeditar seu esquecimento lá dentro, poupando o trabalho de voltar na próxima noite.

Mas não queremos casa e cama vazia, rodamos os bares do porto, do parque... e nada dos gatos. Tudo fechado. Carros parados, uma viatura passa devagar, uma belíssima policial me olha, vontade de jogar um beijo, me acovardo... há coisas sérias a resolver, um dilema político: O que fazer?

Craft bêbado no banco carona ouvindo jazz faz declarações populistas, “Se tiver um baseado tá tudo bem!” Miranda, fuçando suas lembranças leninistas, propõe sem muita convicção o lema: "Um passo atrás para dar dois à frente", ou mais claramente, o encerramento do porre para recomeçar depois do meio dia... não há objeções, embora alguém ensaie um protesto tímido.

Sem muita certeza nos despedimos, um carro em cada direção e Bec confusa é abduzida pela gente...

Bec, Craft e eu... adiante, sem ter para onde ir, vamos apenas, o asfalto pelo asfalto.

Camburi, quiosques abertos, insensatamente abertos... carro parado, a argentina louca da Liliana Felipe cantando que tipo de homens eram os romanos, fazendo uma ode ao orgasmo clitoriano, e embolados na canção chapamos as últimas cervejas da noite, ou as primeiras do dia, tanto faz... tiozinhos e tiazinhas saudáveis passam pelo calçadão onde colocamos nossas cadeiras, andam apressados em seus exercícios físicos, correria da vida moderna. O dia vai saindo nublado, lambendo suas primeiras criaturas, os primeiros viventes desta sexta-feira em que o peso da existência é menor que o de uma pluma de gaivota.


O dia termina de amanhecer no pier de Yemanjá, a gente sentando na escada com o pé quase no mar, eu digo uma coisa sem graça tipo “Woody Allem vai dirigir Tubarão III”, pequenas implicâncias, um sarro northamerican, um poema batido de Pessoa sobre as lágrimas e o sal do mar e uma vontade fudida de beber café.

Sei, hoje estou mais vivo que ontem... bate uma nostalgia de padaria, sentar ao balcão em frente a uma atendente simpática. Diálogo ameno, doce, à seis e meia da matina. Pedimos pão, jornal, café e na hora de ir embora um sorriso iluminado me acompanha até eu sumir na rua...
Bom dia!

5 Comments:

Blogger Thiago Luz Raft said...

Mais uma...

12:25 AM  
Blogger Marilia Kubota said...

Thiago é teu amigo,é...entáo, vcs adoram cantar a Vitória de Samotrácia...vc usa máscara como o auau do JQ? beijo

1:45 PM  
Blogger Hanne Mendes said...

poww, vc não vai me dizer seu nome não???E ainda me chama de " minha Hanne Baby"...
Poxa...
Olha eu guardo segredo sobre a sua identidade secreta, prometo!! =]
auhauahauahau
Bj, t+

11:49 AM  
Anonymous Anônimo said...

Saulo, gostei do teu blog, da forma como escreve, simples, acredito que por isso me prendeu. Li outros posts, gostei. Vou te linkar, assim virei sempre te visitar. Obrigada pelo e-mail, assim pude te conhecer.

6:29 AM  
Anonymous Anônimo said...

Vim desejar um feliz final de semana, com muita coisa boa para você nos contar depois.

5:12 PM  

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