10.9.06

A noite em que Caliban ouviu Cry Baby

Ariel entrou no carro e seguimos pela cidade. A chuva caía com vontade e molhava as almas capixabas descansadas dos crimes cometidos durante 455 anos, completados exatamente neste dia de setembro. Paulo Ricardo, ela disse que gostava de Paulo “RPM” Ricardo, e eu, me desculpando, disse que só tinha Chico ou Janis. Escolheu Janis Joplin... e rodamos líricos pela noite molhada ao som de Cry baby.

Algumas coisas me incomodavam, a saber, a peça vista horas antes no Carlos Gomes, uma mulher que me deu um fora anos atrás encontrada no saguão do teatro dizendo que agora me amava, uma vodka dupla, duas Brahmas longneck, um elogio educado feito a mim, visivelmente a contragosto, em razão de uma porcaria escrita no passado e, principalmente, ela, a odalisca no bar do Geraldo...

Eu, sozinho, na penumbra interna do boteco, sentado à mesa em frente, fumava da forma mais elegante possível (é que eu não fumo, porra!), fazendo jogo com a longneck na mão... A seu lado, a uma distância comprometedora, um sujeitinho com cara de imbecil, mas sortudo, extremamente sortudo...

(e aqui vai um parêntesis: por que elas acabam nos braços de idiotas assim, merda?! Melancólicas, infelizes, mas sempre com estes idiotas... Nelson Gonçalves faz falta... Ao meu lado talvez tudo fosse infelicidade, mas com muito mais elegância e vigor, a gente discutiria sobre a possível inexistência de Homero e clarearíamos pontos obscuros sobre a sexualidade de Ovídio, o poeta comelão da antiguidade romana; o vinho, mais que presente, seria regado a odes das rubaiyat de Omar khayyam!)

O certo é que o grungesinho exibia a menina como troféu e eu, um pouco por força do hábito e muito por encantamento, não deixava de contemplar com aquele jeito discreto que esqueci de aprimorar, talvez até de possuir... A maldita também me olhava, de relance, mas por duas vezes encarou forte testando minha resistência... sob aqueles olhos riscados de negro meu coração quase virou estilhaço. Eu pensava comigo, Caralho, vou até o fim, vou romper a barreira do som, acelera manezão!

Ela teve piedade e desviou o olhar... um maluco falava de Nietszche numa mesa próxima e Luiz Melodia sussurrava indecências no ar. De repente um cigarro em sua mão e seus olhos procurando por fogo, ah, meu deus, Prometeu sou eu, apenas uma fração de segundo e aproximo o toquinho aceso... A danada, com um charme casablanca, acende e traga queimando junto com o cigarro o restante da minha coragem. O que ela lança no ar é a fumaça de mim... De nada! É o que consigo responder... Pago a conta e, derrotado, saio na rua chuvosa em direção ao carro, pensando em Napoleão, Bolívar, Trotsky e outros fdp’s que acabaram seus dias fodidos depois de beber na taça da glória (ah, a glória!).

Poucos minutos ao volante e eu me divertia novamente, “lavando” o carro nas poças do asfalto ao som do the doors. Jim falava qualquer coisa sobre um inverno frio e a necessidade de um corpo quente para se aquecer; porra, aquele cara sabia das coisas! Mas minha odalisca preferiu o grunge ou, e é pior, eu não tive coragem de levá-la dali. Eu estava sozinho, com frio no coração, e me sentia um babaca, um cara que pede votos pra Nilton Baiano e o otário do filho dele...

Era o fim... El Pozo en que te caiste, ya se secó... (essa já valeu o disco todo, Carotone!)

Vi na calçada uma garota correndo da chuva, pouca roupa para o frio, elegante nos passos que dava para fugir da água acumulada na imperfeição do calçamento, uma bolsa inútil na cabeça para se proteger do dilúvio... Parei e com minha melhor cara ofereci carona. Ela pediu garantias, e eu não tinha nada melhor que uma tartaruguinha de pelúcia no painel. Cê acha que um cara que tem um troço destes no carro é capaz de fazer mal a alguém? Ela ponderou silenciosamente e depois topou.


Ariel entrou no carro e seguimos pela cidade, já disse isto antes. Ela fugia, tinha alguma coisa a ver com a festa de uma amiga, um namorado idiota que tinha um carro cheio de som, pais controladores, Gilberto Gil e um ônibus perdido. Janis cantava e a mina se acalmava, vai entender a alma feminina. Perguntou o que eu fazia da vida, eu disse era melhor mudar de assunto, aí ela falou que era atendente de consultório odontológico, que tinha 20 anos, adorava dançar e fazer amizade, achava a programação da TV chata no fim de semana, falou de um filme legal sobre uma prostituta que se casa com o cliente, disse que queria ler o livro da Bruna Surfistinha e confessou que tinha um tio meio lelé da cuca que pintava paisagens nas paredes...

Reclamou que o namorado quando ia para a Disputa de Som não tinha cabeça pra mais nada; eu não fazia idéia do que fosse exatamente uma disputa de som, embora desconfie que não passe de um algum esporte imbecil elaborado pelos bárbaros modernos para compensar sua incapacidade de articular palavras que não precisem de volume para causar impacto, algo salutar, pois demonstra a capacidade que a história tem de reeditar suas desgraças para purgar cada século.

Depois de algumas horas eu me vi de cuecas e camiseta no motel, Ariel, de calcinha e peitinhos saltitantes felizes, ria das piadas que eu contava e admirava que a gente ainda não tivesse trepado, afirmou que eu era paciente e delicado... Depois falou que suas costas doíam. Eu ofereci uma massagem, ela lembrou que seu namorado idiota fazia uma massagem horrível, comecei e ela continuava o papo, desta vez, de bruços, explanava sobre a beleza dos dias de chuva, eu parei a massagem para ponderar que tempo nublado era uma maravilha, mas chuva... Ela reclamou da interrupção da massagem, eu disse que tinha parado porque ela não comentou nada sobre minha performance e certamente minha massagem era uma droga, igual à do namorado otário dela... Ela pediu desculpas e implorou para que eu continuasse, fiz biquinho, mas aceitei, ceninha doméstica, delicadezas possíveis...

O canal pornô mostrava filmes tão excitantes quanto Gugu e Faustão em uma banheira sendo enrabados pelo Raul Gil... Assim, sob minhas mãos de Hulk, foi ela quem disse isto sobre minhas mãos, Ariel pegou no sono... eu dormi logo depois.

Acordamos ao amanhecer, sem disposição para trepar, mas com um carinho babaca que umedecia os olhos, uma ternura filha-da-puta que só os solitários conhecem...

Saímos, tomamos café na padaria, eu brinquei com o nome dela falando de Caliban e dei meu número de telefone errado, combinava com o nome falso dito horas antes. Ainda não sei o motivo que me leva a isto.

A gente se despediu, voltei pra casa, botei conhaque no café de ontem e sentado ao computador refletia melancólico sobre esta noite, a noite em que dormi com uma garota no motel, dormi, dormi...

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

UAUAUAUAUAUAUAUAUAuauaua!!!

8:44 PM  
Anonymous Anônimo said...

cara, tu tens uma percepção muito boa do mundo que nos cerca, e uma forma precisa de por isso no 'papel'. fiquei ligado no conto do início ao fim. uma crueza fantástica que não nos deixa criar nenhuma expectativa, só a confirmação de que não passamos de uns fodidos.

realmente bom.

7:16 PM  
Anonymous Anônimo said...

E esse grunge hein???

Abração

3:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

E esse grunge hein???

Abração

3:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

E esse grunge hein???

Abração

3:00 PM  
Blogger Duda Bandit said...

um grunge é um grunge... alguns são legais, a desgraça é quando estão ao lado da mulher que queremos... inveja, só inveja, anônimo.

abração.

8:11 PM  

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